domingo, 6 de junho de 2010

O festival de todas as artes está de volta

Na próxima quinta-feira, dia 10 de junho, começa a 42º edição do FILO. Conheça um pouco da história do mais antigo festival da América Latina e também do contexto que envolveu sua criação, em 1968.

Um turbilhão de acontecimentos marcantes tomaram o mundo de assalto no mítico ano de 1968. Época em que uma primavera tencionava humanizar a ortodoxia stalinista no leste europeu, mas que logo seria solapada pelos tanques soviéticos. Em que dois grandes líderes mundiais seriam assassinados e uma mal fadada guerra a um pequeno país asiático, resultaria num grande movimento pela não-violência e numa amarga derrota para uma grande potência. Época também de repressão no Brasil. De guerra contra os subversivos (com e sem aspas). De tortura. De exílio. Época em que um grupo de universitários e intelectuais londrinenses fariam brotar um festival que hoje, 42 anos mais tarde, além de ser o mais antigo da América Latina, é considerado patrimônio cultural do teatro brasileiro pelo ICOMOS/Unesco.

       

Fatos marcantes de um ano mítico: Primavera de Praga (antiga Tchecoslováquia); edição especial da revista Life sobre o assassinato de Martin Luther King; assassinato do presidente norte-americano John F. Kennedy; lançamento do filme Yellow Submarine dos Beatles; Guerra do Vietnã; lançamento de 2001: Uma Odisséia no Espaço, filme de Stanley Kubrick; Edson Luís Lima Souto, o estudante morto por um policial no Rio de Janeiro, foi o que deu início à simpatia da opinião pública pela causa estudantil; o jornalista Wladmir Herzog assassinado durante o AI-5; cartaz do FILO (Festival Internacional de Londrina). (Fotos: Reprodução)

Jogos Universitários, Festival Universitário, FILO

Em 1968, o desejo de um estudante engajado de desenvolver uma base cultural na cidade, faria com que um grupo de faculdades isoladas decidisse expandir os horizontes de um festival esportivo, transformando-o no I Festival Universitário de Londrina. Délio César, o tal estudante, chegou à conclusão de que os Jogos Universitários não supriam essa necessidade e, assim, idealizou algo mais amplo, heterogêneo, que pudesse integrar várias vertentes culturais, dentre elas a música e o teatro. Nascia assim o embrião do FILO (Festival Internacional de Londrina).

 

Três figuras marcantes na história do FILO: o jornalista Délio César, idealizador do festival, a médica Nitis Jacon, sua presidente de honra, e o jornalista Apolo Theodoro, voluntário, ator e diretor de várias peças encenadas no festival. (Fotos: Reprodução).

Embrião concebido, foi a vez de Nitis Jacon entrar em cena. Fundadora dos grupos Gruta, Núcleo e Proteu, a ex-vice-reitora da UEL (Universidade Estadual de Londrina), ex-presidente do Centro Cultural Teatro Guaíra e, atualmente, presidente de honra do FILO, foi uma figura-chave para o sucesso e a longevidade do festival. À convite do próprio Délio César, ela compôs, inicialmente, a comissão julgadora do braço musical do evento. Quatro anos mais tarde, porém, ela assumiria suas rédeas, aceitando o convite para integrar a CAC (Coordenadoria de Assuntos Culturais) da recém criada UEL, em 1971. Com isto, Nitis assumiu seu setor de teatro e, em seguida, tornou-se diretora da quarta edição do evento que, a partir de então, passou a contar com a chancela da universidade. O festival, entretanto, só passaria a ter o nome e a configuração que hoje conhecemos, em 1990. Sobre o novo nome escolhido, Nitis esclarece*: “Queríamos fugir do costumeiro FIT e, brincando com as tiradas do bizarro Jânio Quadros, a equipe dizia: FILO porque Qui-lo. Nós quisemos, todo mundo acabou querendo.” E assim ficou.

*em entrevista ao portal Planeta Londrina.

Marcos na história do festival

Foram muitos os momentos marcantes do festival, mas muitos também foram os desafios ao longo dessas mais de quatro décadas de atividade. Cenários, foram os mais diversos. Repressivos, redemocratizantes, economicamente desastrosos. Em comum, entretanto, a dificuldade de levantar recursos para mantê-lo vivo sem perda de qualidade, nem de ousadia.

Centremo-nos, porém, nas realizações. Como em 1988, ano de sua internacionalização, quando foi realizada -pela primeira vez no Brasil- a Mostra Latino-Americana de Teatro, um marco para as artes cênicas brasileiras. Ou em 1994, quando Londrina se tornou a primeira cidade fora do continente europeu a sediar uma sessão pública do ISTA (International School of Theatre Antropology), um centro de investigação no campo da antropologia teatral, fundado em 1979, por Eugenio Barba -um dos principais nomes do teatro mundial. Ou ainda em 1998, ano em que realizou a única exposição individual, ainda em vida, do fotógrafo Haruo Ohara (1909-1998). Ou 2000, quando passou a exercer, oficialmente, sua vocação multifacetada de Festival de Todas as Artes, englobando aos seus interesses diferentes segmentos artísticos como a música, a dança, o circo, a fotografia e as artes plásticas.

Kazuo Ohno

Nomes de peso passaram por aqui. Como em 1992, ano em que Kazuo Ohno, criador e mestre do teatro Butoh, arte que mistura dança e artes dramáticas, retornou quinze vezes ao palco para agradecer os aplausos, até que seu filho, Yoshito Ohno, pedisse que não mais o aplaudissem, já que ele estava cansado e, enquanto houvesse aplausos, ele voltaria para agradecê-los. O coreógrafo e dançarino japonês, então com 86 anos, viria a morrer dezessete anos mais tarde, coincidentemente, na última terça-feira, 1º de junho, vítima de insuficiência respiratória. [Veja matéria no Metrópolis]

Eugenio Barba e Peter Brook

Outros momentos marcantes ocorreram nas passagens do italiano Eugenio Barba -e sua lendária Odin Teatret (Dinamarca)- e do diretor britânico Peter Brook, dois dos principais nomes do teatro mundial. A primeira passagem de Barba se deu em 1991, com a Mostra Odin Teatret, ocasião em que apresentou quatro espetáculos, além de filmes, conferências, cursos e oficinas. A segunda ocorreu em 1994, onde encenou Theatrum Mundi, peça montada sobre um palco flutuante no Lago Igapó, e na já comentada 8ª edição pública do ISTA (International School of Theatre Antropology). E a terceira e última ocorreu em 2008, ano em que foi comemorado o 40º aniversário do festival, onde encenou Os Sonhos de Andersen, espetáculo baseado em anotações do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875), autor de clássicos infantis como O Patinho Feio, A Roupa Nova do Imperador, O Soldado de Chumbo e Polegarzinha.

No mesmo 2008, o festival também teve o prazer de receber o renomado diretor britânico Peter Brook -e sua cia. Theatre des Bouffes du Nord-, com a peça Fragments, montagem que reúne quatro pequenas peças e um poema de Samuel Beckett (1906-1989). Brook, que já co-dirigiu a tradicional Royal Shakespeare Company ao lado de Peter Hall, hoje está à frente de seu próprio centro de estudos em Paris, o Centro Internacional para a Investigação Teatral, onde desenvolve pesquisas sobre as origens do teatro.

Outras Companhias

Além desses mestres do teatro contemporâneo, foram memoráveis também as passagens da companhia argentina De La Guarda, com o espetáculo Período Villa Villa (1996); da prestigiosa -porém extinta- companhia canadense Carbone 14, de Gilles Maheu (1997) -que só aceitaram vir com a montagem Les Âmes Mortes por se tratar do FILO, uma vez que ela sequer cabia no Ouro Verde-; e da diretora alemã Angie Hiesl (1998), com a intervenção X-Vezes Gente Cadeira (x-mal Mensch Stuhl), onde atores da terceira idade -da londrinense Cia. Fase 3-, foram colocados em cadeiras pregadas às paredes externas de vários prédios da cidade, praticando afazeres cotidianos como, por exemplo, comer uma fruta, costurar um vestido ou escrever poemas e soltá-los ao vento.

Fotos: [1] Eugenio Barba por Piotr Topperzer - [2] Haruo Ohara por Haruo Ohara - [3] Kazuo Ohno por Fondazione Meeting per l'amicizia fra i popoli - [4] Peter Brook - Reprodução.

No próximo post, os destaques da programação internacional.

Até a próxima!

[ChuckWilsonDB]

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